ainda sem titulo IV

Era, aliás, sou uma mulher solitária, não gostava de o admitir na altura, mas agora, com o passar dos anos não só o entendo como o aceito com naturalidade. As mulheres que permitem a si próprias começarem de novo uma e outra vez, acabam por ser de alguma forma solitárias, comigo foi assim. Não diria que se tratou propriamente de uma escolha, ou pelo menos de uma escolha racional, aconteceu.

Primeiro foi a mudança de cidade por causa da faculdade, depois foi a mudança com o primeiro trabalho, depois com o fim do primeiro casamento… não sei bem como, ou porquê, mas tornou-se um hábito a fuga em frente no fim de cada ciclo, e em cada ciclo, em cada fase da minha vida, fiz amizades, poucas, tive relacionamentos, partilhei mesas conversas e camas, mas invariavelmente no fim de cada um, larguei-os a todos, com a subtileza e a naturalidade de quem não tem raízes, nem as pretende cultivar.

Houvera contudo, um porto de abrigo, um oásis, no desfile de tentativas e fracassos de que fizera o meu caminho. E esse fora-se em poucos segundos, numa pancada como aquela que acabara de ouvir.

Essa lembrança, acelerava-me, enquanto me precipitava para o Seat vermelho, fumegante, e as botas se debatiam com a lama, tornando cada passo uma eternidade.  

esta noite vieste

Esta noite vieste. Vieste, e trazias contigo um delicioso sorriso de menino traquina a bailar-te no rosto. Chegaste na tua juventude intocável, incontornável, eterna… vieste leve, com a naturalidade de quem nunca partiu.

Vi-te ao longe, no meio da multidão na beira rio. Não sei se andei, se corri, se flutuei na tua direcção ou se simplesmente me materializei na tua frente, sei que te alcancei de imediato, que isso era a única coisa importante no momento. Tu, sorridente, olhavas para mim, aparentemente esquecido do que tinha sido feito de nós, e eu, cheia de perguntas sem resposta, preferi fingir que nada tinha acontecido e abraçar-te. Prender-te nos meus braços, enlaçar-te no meu peito, afogar-te na minha saudade feita de lágrimas engolidas em silêncio. Apertei-te com todas as minhas forças, senti-te o calor e acabei por me render ao silêncio e aos teus braços que há tanto tempo não sentia.

Esta noite vieste, mas partiste antes do amanhecer, antes de responderes às tantas perguntas que nunca te fiz. Esta noite vieste. Esta noite vieste! Esta noite vieste… como se nunca tivesses ido e voltaste a partir como se nunca tivesses vindo…

Um dia talvez te peça para me levares contigo!